sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Praticando o desapego








O desapego é a prática do discernimento. Aos poucos vamos ganhando controle sobre as ondas de pensamento "dolorosas" ou impuras, perguntando-nos:

"Por que é mesmo que eu desejo este objeto? Que benefício duradouro obterei com possuí-lo? De que maneira sua posse me ajudará a conquistar maior conhecimento e liberdade?" As respostas a tais perguntas são sempre embaraçosas: fazem-nos ver que o objeto desejado não só é inútil como instrumento de libertação, mas é potencialmente prejudicial enquanto instrumento propício à ignorância e à sujeição; e mais, que o nosso desejo não é na verdade desejo pelo objeto em si absolutamente, mas apenas desejo de almejar alguma coisa, uma mera agitação da mente.É muito fácil ponderar acerca de tudo isso num momento de calma. Mas o nosso desapego é testado quando a mente de súbito é varrida por uma enorme onda de raiva, de cobiça ou de avareza. Então, somente através de um esforço decidido de vontade nos lembraremos daquilo que a nossa razão já sabe — que essa onda, o objeto sensorial que a suscitou, o senso de individualidade que identifica a experiência a si própria - são todos igualmente efêmeros e superficiais, não são a Realidade subjacente.O desapego pode surgir muito lentamente. Mas mesmo seu estágio mais inicial é recompensado por uma sensação nova de liberdade e de paz. Jamais se deveria concebê-lo como austeridade, espécie de autotortura, algo arbitrário e penoso. A prática do desapego confere sabor e significado até ao incidente mais banal do mais enfadonho dos dias. Ele elimina o aborrecimento de nossas vidas. E, à medida que progredimos e conquistamos crescente autodomínio, vemos que não estamos renunciando a nada de que realmente necessitamos ou queremos — e sim, estamos apenas libertando-nos de desejos e necessidades imaginários. Com esse espírito, a alma cresce até conseguir aceitar, serena e imperturbável, os piores reveses da vida. Cristo disse: "Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve" — querendo dizer que a existência corriqueira e sem discernimento, de apego aos sentidos, é, de fato, muito mais penosa, muito mais difícil de suportar do que as disciplinas que nos tornarão livres. Parece-nos difícil compreender essa passagem, porque temos sido habituados a conceber a existência terrena de Cristo como trágica — uma gloriosa e inspiradora tragédia, por certo, mas que não obstante terminou numa cruz. Deveríamos antes nos indagar: "O que seria mais fácil, pender naquela cruz com a iluminação e o desapego de um Cristo, ou nela padecer na ignorância, na agonia e na sujeição de um pobre ladrão?" E, seja como for, a cruz pode alcançar-nos, estejamos preparados e aptos a aceitá-la ou não.O desapego não é indiferença — nunca é demais repeti-lo. Muitas pessoas rejeitam as metas da filosofia iogue como "inumanas" e "egoístas", pois imaginam a ioga como um distanciamento frio e deliberado de tudo e de todos em prol da busca de salvação pessoal. A verdade é exatamente o oposto. O amor humano é a emoção mais elevada que a maioria de nós conhece. Ele nos liberta, em certa medida, do egoísmo que mantemos em relação a um ou mais indivíduos. Mas o amor humano ainda é possessivo e exclusivista. O amor pelo Atman não é uma coisa nem outra. Admitimos prontamente que é melhor amar as pessoas "pelo que elas realmente são" do que apenas por sua beleza, inteligência, força, senso de humor ou alguma outra qualidade - mas isso não passa de afirmação vaga e relativa. O que as pessoas "realmente são" é o Atman, nada mais nada menos. Amar o Atman em nós mesmos é amá-lo em toda parte. E amar o Atman em toda parte é ir além de qualquer manifestação da Natureza até a Realidade interior da Natureza. Esse amor é por demais vasto para ser compreendido por espíritos vulgares; no entanto, ele é simplesmente um aprofundamento e uma expansão infinita do pequeno e limitado amor que todos sentimos. Amar alguém, mesmo ao jeito habitual dos homens, é captar o aparecimento instantâneo e vago, dentro dessa pessoa, de algo formidável, que infunde respeito, eterno. Em nossa ignorância, achamos que esse "algo" é único. Ele ou ela, dizemos, é diferente de todos. Isso porque nossa percepção de Realidade é turvada e obscurecida pelas manifestações exteriores — o caráter e as qualidades individuais da pessoa que amamos - e pelo modo como a elas reage nosso próprio senso de individualidade. Entretanto, esse lampejo pálido de percepção é uma experiência espiritual válida e deveria encorajar-nos a purificar a nossa mente, preparando-a para aquela espécie infinitamente mais elevada de amor que está sempre a nos aguardar. Esse amor não é inquieto e efêmero, como o nosso amor humano. É firme, eterno e sereno. É absolutamente livre do desejo, pois amante e amado ter-se-ão tornado um só.Observe esta passagem do Bhagavad-Gita:As águas fluem continuamente para o oceano, Mas o oceano nunca se perturba;O desejo flui para a mente do vidente,Mas ele nunca se perturba.O vidente conhece a paz...Conhece a paz aquele que esqueceu o desejo.Ele vive sem ansiedade:Livre do ego, livre do orgulho.
Do livro: Como conhecer deus, aforismos iogues de patanjali de acordo com a versão de swami prabhavananda e christopher isherwood
A Casa do Aprendiz

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